1994



Escrevo para você
porque te achei no bolso do meu velho palitó.
Em papel de guardanapo, daqueles meio que em trapos
a canção que quero te ouvir cantar.


"Eu sempre soube que ela podia voar
para muitos, isso era bobagem
teve até quem chegou a duvidar.
O fato, é que todos conheciam
a garota de olhos negros, que dizia poder voar.
Certo dia, assim, meio que do nada
ela apareceu e se sentou ao meu lado
puxou o violão e cantou uma canção
dessas que falam de flores e amores. (Linda por sinal)
E no final de suas palavras
como quem não quer nada
Bateu asas e voou
Voou... e voou...
Todos ficaram loucos
e quem podia não queria acreditar.
Eu é claro, fiquei também impressionado
mal podia respirar.
Reuni todas as minhas forças
pois daqui de baixo
a Lua ela parecia poder tocar.
Respirei fundo, e em um pestanejo consegui gritar:
_ Carol... Carol!
Eu sempre soube que você ia chegar lá
e quando você voltar...
Traz pra mim, a luz do luar."
                         - Wally Wild 

Nos olhos de Sísifo

Por que são cinzas os dias úteis da existência?
E todo dia é útil para o homem absurdo
Ainda que pense que não
Despertando o mínimo de teu sono torto
Ele vive tranquilamente aquilo que não pode explicar
Subindo e descendo todos os dias a mesma montanha
Só pra ver ao entardecer, a conclusão de um trabalho inacabável
E denovo ao amanhecer, a atividade partida do zero.
E se abres mão da rotina, e se desafia-se contra a corrente 
É como um suicídio utópico
Aonde se perde tudo
Ganha-se nada, como algo desconhecido
E pela primeira vez
Sente-se vivo.
    - Wally Wild





Para Ler em Sussurros

Ele para, inspira
Todos olham para ele
Querem sua voz, seu tesouro em palavras
Tudo aquilo que escondeu por anos sob o tapete
Eles querem repetidas vezes
E de novo, e de novo.
Respira, parece tonto
Ninguém repara
Um ou dois talvez 
Ele tem de ser fiel 
Não importa se mudou de idéia
Sua arte é lenta
Penetra na mente e acalma o peito
O meu, o seu, o dele não.
Pestaneja, quer reagir
É a ultima canção
mas só por hoje, amanhã não
Se decide, fecha os olhos
Metralha a todos, castiga o violão
O som pesado não é convencional
Se liberta, sabe que ninguém gostou
Amanhã estará morto.
                             -Wally Wild 



Santuário e as coisas reais



Outubro outra vez
Outro poema sobre folhas e ventos
Todos aqueles dias que o vento soprou
A história morta e coberta por folhas no jardim
A nostalgia do disco empenado
As roupas velhas do avô
As vezes chove, vem de alturas impossíveis
O caminho deixa de ser importante
Aprendeu a caminhar
Caminhou, caminhou
E tudo transpareceu real
Como uma primeira vez ao sol.
                           - Wally Wild




3x4

Uma casa
Com paredes de sonhos
E telhados de planos
Um perfume de incenso no ar
Abrigo com nome certo
Afeto
Sentimento sincero
Segredos espalhados
Nem meus nem seus
Nosso maço de cigarros
Sentimento traduzido em nome errado
Hoje amor, outrora amizade
Em mim, Você.
                                                                                   - Wally Wild  



O 7 Velhos

Só ele sabia
Era provavelmente o senhor mais velho daquela região
Amante dos dias frios, gostava de refletir um cigarro com a brisa cortando seu rosto
Só ele sabia
Não se conhece um livro pela contra-capa
E já não há poetas vivos
Ali, nada mais era vivo
Só ele sabia
O que aquela gaita abafada dizia
Esteve velho e cansado
Tudo havia passado
E passou, ele ansiava
Só ele sabia
Tinha por volta dos vinte e poucos anos.
                                              - Wally Wild



A Fórmula

Primeiro vem a troca de carícias
Esperando uma possível aceitação do espírito
Depois partimos para uma ousadia significativa
Boca com boca, alma com alma
Em um breve serão de línguas 
Verificando se a textura vale
Para só assim então afogar-se no amor
Desejo por sentimento
Sentimento por descobrimento.
                                                         - Wally Wild



Retilíneo Uniforme

Nunca se sabe de que lado da extremidade se está
A hora de partir é a hora de chegar
E o que terminamos aqui, lá acabou de começar
Às vezes, enche o saco o mesmo papel de parede velho
É preciso se arriscar, atirar no peito e se atirar do alto
Não é justa a velhice do mesmo papel de parede velho
Nem a minha e nem a dele
O que tenho não pertence a mim
Dessa maneira nada se tem
Vai-se embora o medo de acabar

Comecei a partir, porque já acabei de chegar.
                                                         -Wally Wild