O Inevitável



Espere um pouco, eu vou explicar como é que isso funciona...

Um dia você acorda, se levanta e vai lavar o rosto. No momento em que a água fria toca sua têmpora, você percebe que foi exatamente como no dia anterior, e percebe que será exatamente igual no dia seguinte, e no próximo, e no próximo, e no próximo.
O chão se abre sobre seus pés e você entra num lupe eterno de dias que se repetem. O estômago embrulha, as extremidades formigam e tudo gira. Nesse momento não há buraco mágico, não há país das maravilhas e não há coelhos brancos pra perseguir, mas você sem dúvidas é Alice, só que caindo pra cima.
E então você concluí, foi a água fria.

Mas calma, eu disse que explicaria...

Já faz alguns dias que minha cabeça doi, não é exatamente uma dor forte, mas é uma dor irritante e ela tem somente um responsável. Atravessar agosto é como atravessar um deserto com uma âncora nos pés a procura de seu navio, o que quero dizer é, o que diabos um navio estaria fazendo em um deserto? Então você está ali e não sabe o porque. E é apenas o deserto, sem escadas, ou cavalos, nem dunas ou cubos feitos de material qualquer, e não há jogo analista que possa nos dizer quem somos.
Mas foi mesmo agradavel estar ali, de verdade!
A sensação é parecida com a de passar toda a vida lutanto contra gigantes e dragões do mar e de repente perceber que não passavam de moinhos de vento. O que quero dizer é que foram apenas bobagens e você agora confessa abestalhado que está decepcionado.

É, eu sei! Não foi bem o que você esperava quando eu disse que explicaria...

Mas o que quero dizer com tantos "O que quero dizer", é que quero que você entenda claramente o que quero dizer, pois não há metáforas ou poemas que salvem o homem.
Você ignora o Déjà vu, se levanta, lava o rosto e culpa a água fria. A cabeça dói, as extremidades formigam e tudo gira, você se pergunta se está doente, mas então alguem lhe responde com outra pergunta.

Agosto é feito dia de aniversário,
difícil mas inevitável.

                                          - Wally Wild

     



Black Flag




Fumar um cigarro sentado a beira da deserta auto estrada, nas primeiras horas do dia, é algo que tenho feito frequentemente... metaforicamente.
Expelindo fumaça pelas ventas, regando a garganta com whisky barato e agarrando a sorte pelos dentes.
Algo em mim sempre me remeteu aos velhos piratas europeus, não sei se o velho hábito de trazer comigo um espírito e uma carcaça imundos ou a falta de uma perna que me impedice de chegar a algum lugar, a  fugir antes do amanhecer, atrelado afetivamente a um navio caindo aos pedaços, a uma tripulação dos mais variados patifes ja encontrados na face da terra e a uma bandeira negra, ordinária, cravada no topo de minha cabeça.
Um pirata retórico, a beira de uma deserta auto estrada, as 5:45 da manhã, cigarro apagado numa mão, o desejo de uma garrafa de gim na outra. É assim que tenho me sentido frequentemente... Metafisicamente.
A espera de que algo ilógico aconteça, que Godoh apareça e não me faça comentários sobre o tempo. 

                                                     - Wally Wild



Cartas para tolos



Com a ponta dos dedos toca o nariz
tateia todo o rosto, em busca de algo familiar
a muito tempo, os pelos da barba não dizem nada
ficaram mudos, confusos, preferiram não opinar.
Foi tamanho o esforço pra agradar
que hoje não reconhece mais o próprio rosto
não espera o próximo passo, não entende os que já deu.
A muito vem derramando o que sentia
falou demais, e o que era raro, ficou comum
perdeu valor, não se importavam mais.
De repente os dias ficaram iguais
nem mesmo as datas dos jornais mudavam mais
e a programação repetida, acabou por lhe contar os finais
dos filmes que sonhava assistir.
Já se passaram três meses, e Truman ainda fala com o espelho
a necessidade de contar com alguém, o levou a conversar consigo mesmo.
Vai lavar o rosto na água fria
de um impulso forçado, acorda a vida
relê as cartas que adiava e nunca escrevia.
A sinceridade não é o forte das pessoas cinzas
não cabe a ele ser mais tão sincero.
Hoje ele é só sorriso
a tristeza, guarda sob o umbigo
onde ninguém possa ver, onde não possam se aborrecer.
E o amor por quem sentia
também guardou sob a camisa
haverá de ter mais valor ali
já que ninguém mais queria. 


                                  - Wally Wild


"Tudo o que não me interessa, agora eu jogo fora..."

  

Enquanto o dia não vem



Em um quarto esfumaçado
emoldurado em lembranças 
a menina tece calada
metros e metros de distância.
Revirando a consciência
olhos pregados na janela
os dedos dançando anseios
transcrevendo a saudade dela. 
O computador manda notícia
conversa ela com a tela fria
faz de conta que ainda conta
segredos nos ouvidos da amiga.
Dizem que só quem tem saudade
sabe para que serve o tempo
a menina conta ansiosa
quanto falta pro grande momento.
O relógio tem hora, que parece que para
o coração na garganta acelera.
To assistindo o céu da saudade
escrevendo com estrelas o nome dela.
                         
                                                      - Wally Wild

Desconstrução


Naquele dia, ele acordou mais cedo,
não ligou a tevê e nem abriu o jornal.
Passeou pelos cômodos tocando os móveis,
como quem procura algo, sem usar os olhos.
Naquele dia, ele respirou mais fundo
sentiu o pulmão se encher de ar,
as costelas se abrirem e a coluna dançar. 
Naquele dia ele se tocou e se conheceu,
e naquele mesmo dia ele se percebeu.
Percebeu que além de Deus, havia o Homem,
e que os homens eram infinitos,
e que naquele dia, nem mesmo o céu era um limite.
Naquele dia, ele conheceu cada pedaço do seu ser,
sentiu seu corpo se esgotar, sentiu sua mente se espandir,
sentiu sua pele e seus cabelos, e sentiu que eram como roupa,
e que outros seres, outras coisas, imaginários ou não,
poderiam lhe tomar de empréstimo e se servir.
Naquele dia, ele sentiu amor,
sentiu as cortinas se abrirem e o publico de pé,
lhe aplaudir.
                                                     
                                                                 ( 19 de Agosto, Dia do Ator)  
                                                                                                           - Wally Wild

Lá Petite Soeur


Ela era Bailarina
e isso já era demais,
mas pra ela, parecia pouco
então era ainda muito mais.
Lembro-me de te-la visto dançar
pra centenas de rostos maravilhados
e pra milhares de palmas agitadas.
Lembro-me de te-la visto dançar
a dança da canção dos dias
procurando nunca escorregar,
nunca tropeçar.
Com belos e leves passos
que enganava os dias mais ruins 
que fazia os mais tristes olhos
voltarem a sorrir.
E seu ballet ia ainda muito além
encharcava o coração dos tolos
e os fazia homens de bem.
Ela sabia falar com os olhos,
aprendeu a ler os corações.
E é tolice lhe tentar dizer
Quando palavras se perdem no ar
e o carinho e bem querer que trago por você
são bem maiores
do que os lábios podem dizer.
                                 -Wally Wild
                                       Para: Milly

Simples e pleno

                                                            
                                            "A poesia vem de dentro"
                                                                                                          - Wally Wild